Estou convencido de que extinguir a FEE fará com que deixe de estar disponível a maior parte das informações e análises sobre a economia e a sociedade gaúchas por ela produzidas

Pedro Silveira Bandeira

Economista, Doutor em Ciência Política, Professor Aposentado da UFRGS e antigo funcionário da FEE.

Não pode haver dúvida quanto ao fato de que as finanças públicas do Rio Grande do Sul enfrentam uma situação dramática, e é evidente que algo deve começar a ser feito para dar início à sua recuperação. Age corretamente, portanto, o Governador Sartori ao propor um conjunto de medidas de contenção de despesas, como um primeiro passo nessa direção.

É preciso, no entanto, ter muita cautela. A sensação de urgência aumenta o risco de que sejam tomadas decisões erradas, causando danos irremediáveis ao interesse público. Portanto, devem ser ponderados com cuidado os argumentos favoráveis e contrários a cada uma das propostas incluídas no “pacote” enviado pelo governo à Assembleia Legislativa.

Dito isso, quero registrar que considero um erro grave a intenção de extinguir a Fundação de Economia e Estatística. Conheço de perto o trabalho da instituição, porque lá trabalhei entre 1973 e 1990, e uso seus dados em minhas pesquisas sobre o desenvolvimento regional no estado. Não me manifesto aqui sobre as outras medidas propostas pelo governo porque elas se referem a realidades com as quais tenho menos familiaridade.

Acho equivocada a ideia de que será possível manter sequer uma fração mínima das atividades hoje desempenhadas pela FEE, caso sejam repassadas as suas atribuições para a Secretaria do Planejamento e demitidos todos os seus servidores celetistas, sendo conservado apenas um pequeno número de funcionários estáveis. Os quadros a serem mantidos estão, em sua quase totalidade, próximos da aposentadoria, e muitos nunca atuaram em atividades de pesquisa, pois sempre trabalharam na área administrativa da Fundação. Além disso, não creio que exista na Secretaria do Planejamento uma quantidade suficiente de servidores ociosos que
possam assumir essas tarefas, em especial pessoas com formação adequada para atuar como pesquisadores. Cabe lembrar que cerca da metade dos funcionários que se pretende demitir na FEE são mestres ou doutores, selecionados em concurso público.

Em suma, estou convencido de que extinguir a FEE fará com que deixe de estar disponível a maior parte das informações e análises sobre a economia e a sociedade gaúchas por ela produzidas, às quais hoje têm acesso o governo, as empresas, os pesquisadores de outras instituições, a imprensa e a sociedade em geral. Talvez alguém pretenda argumentar que o material produzido pela FEE não é realmente muito necessário. Ou que essa não é uma tarefa que caiba ao estado desempenhar. É provável, também, que alguns tentem desqualificar os argumentos apresentados em defesa da entidade, atribuindo-os a motivações que não estejam em
estrito acordo com o interesse público, como o corporativismo ou o envolvimento pessoal com a instituição. Assim, por exemplo, as opiniões que apresentei no parágrafo anterior poderiam ser descartadas como não isentas, pois trabalhei por longo tempo na instituição e tenho colegas, ex-alunos e amigos que seriam atingidos pelo seu fechamento.

No entanto, é possível encontrar argumentos cuja origem não está sujeita a esse tipo de suspeita. A experiência de outros países dá provas abundantes de que atividades como as desempenhadas pela FEE são reconhecidas como necessárias, e devem ser executadas por um órgão público. Um exemplo vem de fonte totalmente insuspeita de viés ideológico favorável a um estado “grande”, oneroso e com papéis e atribuições muito abrangentes. Trata-se da decisão tomada pelo governo da primeira ministra  inglesa Margaret Thatcher, no início dos anos oitenta, no sentido de não extinguir a instituição semelhante à FEE que então existia na estrutura do estado britânico – o Central Statistical Office – CSO[1].

Como é do conhecimento geral, Margaret Thatcher empenhou-se em diminuir o “tamanho” do governo da Grã-Bretanha. Cortou gastos, privatizou empresas estatais, fechou órgãos públicos e demitiu grande número de servidores. Seu governo certamente não pode ser acusado de complacência com órgãos cuja atuação pudesse ser considerada desnecessária ou cujo caráter não fosse estritamente público, podendo suas atividades ser repassadas ao setor privado. Já no início do mandato ela criou uma “Unidade de Eficiência” (Efficiency Unit), encarregada de propor medidas para reduzir custos e melhorar o desempenho da administração inglesa. Sua direção foi atribuída ao Lorde Derek Rayner, um grande empresário do ramo varejista que já havia atuado em governos anteriores, mais tarde foi nobilitado com o título de Barão Rayner of Crowborough. Nos três primeiros anos essa unidade realizou 223 avaliações, que levaram a uma substancial economia de recursos e causaram a demissão de mais de 12 mil funcionários[2].
Qual foi o resultado da avaliação feita pela Efficiency Unit no caso do Central Statistical Office – CSO, a entidade semelhante à FEE? A análise apresentada em um White Paper[3] publicado em abril de 1981 concluiu que o órgão não devia ser extinto, porque o governo precisava das informações que ele produzia para poder conduzir de forma adequada as suas atividades. Afirmava, também, que o objetivo principal do levantamento de dados não devia ser a publicação, mas sim o uso interno pelo governo. As verbas do CSO foram cortadas em cerca de 25%, mas ele continuou a produzir aproximadamente o mesmo volume e tipo de dados e análises. Infelizmente, não foi possível ter acesso ao texto desse White Paper pela Internet, pois ele não foi  digitalizado, embora conste dos arquivos do governo inglês. As informações aqui apresentadas foram obtidas em fontes secundárias. Confesso que demorei a imaginar quais poderiam ter sido os motivos alegados para não considerar importante a publicação das informações. É uma conclusão que hoje parece inusitada, quando tanto são valorizados a transparência e o acesso à informação. Acabei formulando uma hipótese: os gastos com editoração e impressão seriam, à época, bastante substanciais, constituindo uma parcela expressiva da
despesa total do CSO. Afinal, o principal foco da atuação da unidade coordenada por Lord Rayner era a redução de gastos. Hoje o custo de divulgação pela internet é quase desprezível, permitindo ainda que seja alcançado um público muito mais amplo.

Em suma, a administração de Margaret Thatcher – talvez o maior ícone do “neoliberalismo” e da defesa do “estado mínimo” – avaliou o órgão que poderia ser chamado de “a sua FEE” e decidiu preservá-lo, pois considerou que os dados e análises por ele produzidos eram indispensáveis para o bom funcionamento da administração pública. Ainda há tempo para que o Rio Grande do Sul reflita e siga esse exemplo.


[1] Nos anos noventa esse órgão veio a ser unido com outra entidade, dando origem ao atual Office for
National Statistics.
[2] Making Government Work, de autoria de Naunihal Singh, disponível na internet no Google Books.
[3] Um White Paper ou, em português, “Livro branco” ou “Relatório Branco”, é um documento oficial
publicado por um governo ou uma organização internacional, a fim de servir de informe ou guia sobre
algum problema e como enfrentá-lo.

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